Resumo estratégico
Este estudo analisa, com profundidade estratégica, como o Canva redefiniu o papel do marketing no Brasil ao tratar a atenção como um ativo escasso e não como algo a ser interrompido. Ao destrinchar campanhas protagonizadas por Xuxa Meneghel e Gracyanne Barbosa, o conteúdo revela como narrativas bem construídas, capital cultural e leitura precisa de comportamento de audiência podem transformar publicidade em entretenimento legítimo.
Ao longo da análise, você vai entender por que essas campanhas funcionaram, quais decisões estratégicas sustentaram os resultados, e o que elas ensinam sobre economia da atenção, storytelling de marca e uso inteligente de celebridades. Mais do que descrever ações criativas, o texto conecta contexto cultural, lógica de mercado e execução prática, oferecendo aprendizados aplicáveis para quem pensa marketing, branding e comunicação em nível estratégico não operacional.
Uso de “Falsas Verdades” e Realismo Simulado
Um pilar central dessas campanhas foi o realismo simulado criar situações fictícias verossímeis o suficiente para que muitos acreditassem (ao menos temporariamente) que eram verdadeiras. Trata-se de uma estratégia de “falsas verdades”: anúncios disfarçados de notícias ou lançamentos reais.
No caso do Canva, a execução foi cuidadosa. O “lançamento” da marca GracyOvos teve identidade visual profissional, promessa de estoque limitado e foi divulgado como qualquer outro produto novo seria. Já a campanha de Xuxa começou com teasers enigmáticos nas redes da apresentadora, sem qualquer menção ao Canva, o que instigou enorme curiosidade entre seus seguidores. Em ambas as situações, a revelação de que tudo não passava de uma campanha publicitária veio somente depois de alguns dias de especulação, funcionando como um plot twist de marketing.
Essa tática de conduzir o público por uma realidade simulada para só então “virar o jogo” remete a cases históricos de storytelling disruptivo na publicidade. Um exemplo clássico no Brasil é o comercial “Hitler” da Folha de S.Paulo. Lançado em 1987 e até hoje lembrado como uma das maiores sacadas da propaganda brasileira, o filme apresentava uma série de realizações positivas de um homem desconhecido, apenas para revelar ao final que se tratava de Adolf Hitler concluindo, em tom moral: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”. Assim como nas campanhas do Canva, o espectador foi levado a crer em uma premissa inicial e surpreendido pela revelação tardia do verdadeiro propósito (no caso da Folha, alertar contra meias-verdades e reforçar a credibilidade do jornal).
No cenário internacional, há paralelos igualmente notáveis. A campanha “This Is a Tide Ad” (Super Bowl, 2018) seguiu lógica parecida: os comerciais pareciam propagandas de cerveja, carros ou perfumes típicas, até que o ator David Harbour interrompia para afirmar que, na verdade, tudo era um anúncio do sabão Tide. Essa metanarrativa brincava com a audiência ao apontar que, “se as roupas no comercial estão limpas, poderia ser um anúncio de Tide”. A ideia foi considerada genial e extremamente eficaz, sendo eleita uma das campanhas mais efetivas do Super Bowl 2018 por profissionais da área. Ela demonstrou que até mesmo a formatação de um anúncio pode ser manipulada e parodiada para manter o público intrigado uma estratégia semelhante ao que o Canva fez ao simular lançamentos fictícios.
Marketing de Ruptura Apoiado na Cultura Local

Outro elemento-chave do sucesso estratégico foi o enraizamento cultural dessas campanhas. O Canva optou por referências 100% brasileiras, entendendo que para se destacar seria preciso falar a língua (literal e figurativamente) do público local. Essa hiperlocalização fica evidente em diversos aspectos das ações. A começar pelos protagonistas: Xuxa e Gracyanne não foram escolhas aleatórias, mas sim figuras profundamente inseridas no imaginário pop nacional. Xuxa carrega consigo décadas de história da TV brasileira sua imagem remete imediatamente a programas infantis dos anos 80/90, às “paquitas”, às músicas e bordões que marcaram uma geração.
A campanha “Faz Bonito” explorou isso recriando o clima dos antigos programas de auditório da apresentadora, com figurinos coloridos, dançarinas assistentes (paquitas) e objetos cênicos icônicos como o seu microfone característico. Até o nome da fictícia empresa de Xuxa, “Xuxa Só Para Adultinhos”, é uma brincadeira direta com sua marca real “Xuxa Só Para Baixinhos”, sinalizando ao público brasileiro, de forma bem-humorada, que ali havia um rico componente de nostalgia sendo ativado.

No caso de Gracyanne Barbosa, a campanha se apoiou em um aspecto específico da cultura fitness brasileira. Gracyanne é frequentemente mencionada em memes e notícias de entretenimento por sua rotina alimentar extrema notoriamente, o alto consumo de ovos para suprir proteína. Esse traço viral da sua persona pública foi transformado em gancho criativo: a ideia de ela lançar uma linha de “ovos premium” soa absurda, mas não impossível, o que fez muitos engajarem na piada com naturalidade. O próprio Canva, em seu comunicado, destaca que Gracyanne levou “seu amor viral por ovos a novos patamares com a ‘GracyOvos’, uma marca fictícia de ovos de luxo” construída inteiramente no Canva. Ou seja, a campanha utilizou um meme local (a “musa fitness dos ovos”) como combustível para viralização.
Essa imersão na cultura local tornou as histórias instantaneamente reconhecíveis e compartilháveis dentro do Brasil. As expressões, o humor e as situações retratadas falavam diretamente aos brasileiros diferentemente de campanhas globalizadas genéricas, aqui havia piadas internas da nossa cultura pop. É uma forma de marketing de ruptura porque se afasta do roteiro tradicional de publicidade “importada” ou simplesmente traduzida. Em vez disso, o Canva mostrou que inovação em marketing pode vir da apropriação criativa do que há de único em cada mercado local.
Essa estratégia rendeu frutos não só em engajamento, mas também em posicionamento de marca: o Canva passou a ser visto como uma empresa que entende a audiência brasileira e faz parte das conversas atuais. Como observou Raul Taborda, diretor criativo do Canva para a América Latina, cada campanha deve ser “tão criativa quanto as pessoas que usam nossa plataforma”. Ao abraçar o tom bem-humorado e “zoeiro” típico da internet brasileira, a marca se aproximou do público de forma autêntica.
Cabe mencionar que o sucesso local dessas iniciativas acabou servindo de inspiração global dentro da empresa.
O Canva vem apostando em campanhas hiperlocalizadas em diversos países: houve ações semelhantes na Indonésia (com a campanha “Gampang di Canva”, contando a história bem-humorada de uma avó empreendedora) e na Índia (campanha “Dil Se, Design Tak”, celebrando a criatividade cotidiana).
Em todos os casos, a fórmula é parecida referências culturais específicas, uso de humor e narrativa adaptada a cada contexto. Isso demonstra uma visão estratégica de que celebrar a cultura local pode ser um motor global de inovação em marketing, criando cases tão fortes que extrapolam fronteiras. A campanha “Faz Bonito” brasileira, por exemplo, tornou-se case interno de “design local, crescimento global”, evidenciando como falar a língua do público local pode gerar resultados excepcionais e, ao mesmo tempo, fortalecer a marca mundialmente.
Canva como “Produto Invisível”: da Propaganda pela Promessa à Propaganda pelo Uso
Figura: Gracyanne Barbosa revela a verdade por trás de "GracyOvos". Na imagem, parte do vídeo de revelação onde ela demonstra ter criado toda a identidade da marca fictícia usando o Canva note o logotipo “Egg Queen” sendo editado na plataforma. A ferramenta de design aparece como coadjuvante orgânica na narrativa, reforçando a mensagem de produto sem precisar de explicações diretas.
Uma característica marcante dessas campanhas foi que o produto em si (o Canva) permaneceu invisível até o clímax da história. Ou seja, durante grande parte do tempo o público consumiu o conteúdo sem saber que estava, na verdade, assistindo a uma propaganda do Canva. Essa escolha reflete uma inversão do modelo tradicional de anúncio: em vez de abrir com o logo e tagline da empresa, o Canva preferiu mostrar seu valor na prática dentro da narrativa. No desfecho do vídeo da Gracyanne, por exemplo, vem a revelação: ela aparece dentro do aplicativo Canva, montando o logotipo e materiais da GracyOvos, e admite que “criou sua marca inteirinha” com a ajuda da plataforma. Em tom descontraído, Gracyanne agradece ao Canva Brasil por viabilizar toda aquela “brincadeira” e declara que os estoques dos ovos fictícios “oficialmente esgotaram” (pois ela mesma teria consumido tudo, reforçando a piada). Nesse momento, o público percebe que foi testemunha de um exemplo de uso do produto e não de uma mera recomendação abstrata.
Da mesma forma, no filme principal da Xuxa, o ponto de virada acontece quando a magia por trás dos produtos absurdos é explicada: o vídeo se encerra com a mensagem de que “qualquer pessoa pode criar seu próprio sucesso com IA”, introduzindo o Mídia Mágica a nova ferramenta de geração de imagens por inteligência artificial do Canva. Note que até então o espectador estava entretido com a paródia de um programa de TV; só no final o Canva entra em cena como facilitador da criatividade. Essa técnica de product placement dentro da própria campanha permitiu que a audiência compreendesse o valor do Canva de forma implícita e contextual. Em vez de dizer “nosso software faz X e Y”, a campanha demonstrou isso: mostrou uma empresária fictícia (Xuxa) resolvendo problemas e criando ideias inusitadas com ajuda de ferramentas de design, e uma influenciadora (Gracyanne) construindo uma marca do zero graças à plataforma. É um marketing pelo uso.
Estratégias assim capitalizam na ideia de “não me diga, mostre”. Ao ocultar o produto até o momento certo, o Canva evitou o potencial ceticismo ou rejeição inicial do público (“lá vem propaganda…”). Quando a marca surgiu, a audiência já estava ganha pela história muitos, inclusive, divertidos e admirados pela criatividade da encenação.
O impacto positivo recai então sobre o produto: diversos comentários espontâneos nas redes sociais elogiaram a sacada (“Que marketing é esse?!”, “O Canva arrasou!!”) e até associaram o valor percebido ao serviço (“Vou até renovar minha assinatura do Pro”, disse um usuário). Esses indicadores sugerem um aumento de goodwill e intenção de uso como fruto direto da campanha, algo difícil de se obter com publicidade convencional.
Em termos de posicionamento, o Canva conseguiu se comunicar não como um anunciante insistente, mas sim como um parceiro criativo quase um personagem coadjuvante que habilita os protagonistas a brilharem. Essa é uma lição valiosa: em mercados saturados de propaganda, às vezes o melhor marketing é deixar o produto agir nos bastidores da história, para então colher os frutos quando o público descobre e se encanta com o que ele pode fazer.
“Social First” e a Amplificação pela Reação do Público
Desde o início, as campanhas do Canva em 2025 foram concebidas para o ambiente social-first, ou seja, nasceram nas redes sociais e para elas, antes de qualquer outro meio. A escolha de lançar as ações através dos perfis pessoais de Xuxa e Gracyanne foi estratégica. Essas figuras já possuem milhões de seguidores engajados, e qualquer postagem atípica naturalmente chamaria atenção. Quando Gracyanne divulgou seu vídeo de lançamento dos ovos gourmet, a notícia se espalhou de forma orgânica: portais de entretenimento e usuários no Instagram e no TikTok começaram a comentar sobre a ex-dançarina agora empreendedora de alimentos, num buzz que cresceu exponencialmente. No caso da Xuxa, os teasers enigmáticos que antecederam o lançamento oficial da campanha geraram uma enxurrada de comentários e compartilhamentos fãs intrigados em saber o que seria aquele projeto “só para adultinhos” que a apresentadora mencionava. Importante notar que até esse ponto ninguém associava nada ao Canva; ou seja, as pessoas espalhavam a mensagem sem perceber que estavam, de fato, divulgando uma marca.
Esse efeito de viralização por reação espontânea foi alimentado pelos elementos emocionais e participativos das campanhas. Três gatilhos principais foram explorados: confusão, humor e nostalgia. A confusão inicial (“isso é sério ou piada?”) instigou debates a dúvida fez muitos buscarem informações e envolverem amigos na conversa para tentar esclarecer. O humor presente nas situações absurdas gerou compartilhamentos pelo simples prazer de dividir algo engraçado e inusitado (afinal, um post da Xuxa sobre “chá com glitter para vozes na cabeça dormirem” ou da Gracyanne sensualizando com um ovo na mão era material irresistível para memes e comentários bem-humorados). Já a nostalgia no caso da Xuxa tocou o coração do público mais velho, que repartiu o conteúdo acompanhado de lembranças pessoais (“quem viveu nos anos 90 entendeu a referência!”). Essas reações dos usuários atuaram como combustível gratuito da campanha, amplificando seu alcance muito além do que mídia paga poderia conseguir pelo mesmo custo.
Do ponto de vista de estratégia de mídias, o Canva também expandiu a presença dessas campanhas para além do digital, criando um efeito de onipresença. Após o sucesso inicial nas redes, o case Xuxa “Faz Bonito” foi para a TV, serviços de streaming, rádio e até outdoors nas grandes cidades. A campanha deixou de ser apenas um viral online e tornou-se uma ação 360 graus contudo, sempre mantendo o tom narrativo divertido que nasceu na internet. Essa integração multiplataforma maximiza impactos: quem viu primeiro no Instagram comenta ao ver na TV, quem perdeu o burburinho online entende a piada quando passa pelo outdoor, e assim por diante. Com isso, a conversa gerada pelo público tornou-se parte essencial do conteúdo. No LinkedIn e em comunidades de marketing, por exemplo, profissionais discutiram o caso do Canva como “exemplo perfeito de marketing estratégico, unindo nostalgia, humor, IA e storytelling”, elogiando a coragem de fugir do óbvio. Em suma, a recepção calorosa do público retroalimentou a campanha as pessoas divertidas e impressionadas tornaram-se embaixadoras informais da mensagem.
Resultados, Lições e Impacto no Negócio
Em termos de resultados concretos, as campanhas de Xuxa e Gracyanne para o Canva no Brasil ilustram como marketing criativo pode impulsionar métricas de negócio e de marca simultaneamente. O Brasil consolidou-se como o segundo maior mercado global do Canva, com 1 em cada 9 brasileiros usando a plataforma. A estratégia de comunicação local certamente contribuiu para esse engajamento gigantesco apenas no último ano, mais de meio bilhão de conteúdos sociais foram produzidos por brasileiros via Canva, indicando uma forte adoção. As campanhas de 2025 visavam acelerar ainda mais essa expansão: posicionaram o Canva não só como uma ferramenta de design, mas como um movimento de criatividade democrática, onde qualquer pessoa pode “fazer bonito” em seu negócio ou projeto. Tanto é que, paralelamente à campanha, a empresa anunciou iniciativas como disponibilizar gratuitamente o software recém-adquirido Affinity, removendo barreiras de entrada para novos usuários. Ou seja, o burburinho gerado pelas ações de marketing veio acompanhado de ações concretas para converter a atenção em adesão à plataforma.
Do ponto de vista mercadológico, o case Canva Brasil 2025 deixa algumas lições importantes. Primeiro, reforça a ideia de que a atenção é a nova moeda: conquistar a conversa da internet pode valer mais do que qualquer plano de mídia tradicional. A criatividade, alinhada à cultura local e à autenticidade, gera um tipo de engajamento que dinheiro sozinho não compra a chamada mídia espontânea. Estimativas informais apontaram que o volume de menções e cobertura gratuita obtida com o caso Gracyanne (“GracyOvos”) foi enorme, especialmente comparado ao investimento relativamente modesto de produzir um vídeo e ativar alguns influenciadores. Segundo, a abordagem de storytelling mostrou-se eficaz para diferenciar a marca num mercado competitivo: enquanto concorrentes possivelmente seguiam com campanhas convencionais, o Canva virou assunto por romper o script esperado de uma campanha de software. Isso fortalece atributos intangíveis da marca, como inovação, ousadia e proximidade com o usuário.
Por fim, as campanhas evidenciaram o poder de colocar o consumidor no centro da narrativa. Ao ver Xuxa ou Gracyanne criando algo com Canva, o público se enxergou naquela possibilidade a mensagem subliminar é que qualquer um pode fazer o mesmo. Essa democratização da criatividade é, aliás, o propósito declarado do Canva a nível global: “permitir que qualquer pessoa no mundo transforme ideias em comunicação visual”, nas palavras do CMO global Zach Kitsche. No Brasil, Felipe Godoy (líder de Marketing local) complementou que a propaganda do Canva tem que ser “divertida, leve e gostosa de assistir”, mostrando que mesmo um empreendedor solo pode se comunicar de forma profissional e criativa.
Ou seja, a forma da campanha refletiu perfeitamente o conteúdo que ela promovia criatividade, facilidade de uso e diversão. Em termos de Harvard Business Review, o case Canva Brasil demonstra como marketing orientado a histórias e cultura pode alavancar tanto a marca quanto o negócio, servindo de referência para empresas que buscam relevância na era da atenção fragmentada. A combinação de atenção orgânica + narrativa envolvente + produto inserido naturalmente provou ser uma fórmula de sucesso, fazendo do Canva um protagonista de um dos cases de marketing mais comentados de 2025 no país um feito que certamente renderá estudos e inspirações por muitos anos.
Fontes
Juliana Pio, Exame – “Gracyovos: anúncio viral de Gracyanne Barbosa era ação do Canva” (25/11/2025)
Juliana Pio, Exame – “Xuxa 'só para adultinhos' revive clima dos anos 80 em campanha do Canva” (12/11/2025)
Larissa Santiago, Meio & Mensagem – “Canva traz Xuxa em versão ‘só para adultinhos’” (12/11/2025)
Canva Newsroom – “Canva celebra a criatividade brasileira com a campanha ‘Faz Bonito’” (2025)
Wikipédia – “Hitler (comercial de televisão)”, Folha de S.Paulo/WBrasil (1987)
Anna Crochet, Winmo – “8 Best Advertising Moments of 2018” (2019), seção Tide
